Hall da Fama

Superar o desafio do Sertões é missão das mais exigentes. Quaisquer que sejam o roteiro, a quilometragem e o perfil de cada edição, é preciso ter força mental e física; habilidade e resiliência para acelerar Brasil afora enfrentando poeira, pedras e as surpresas dos caminhos. Completar a prova já é, em si, uma vitória.
Mas há aqueles que, ao longo das mais de três décadas do maior rally das Américas, superaram os limites, estabeleceram marcas impressionantes e fizeram história, não só por suas conquistas. Tornaram-se referências, exemplos a serem seguidos, sinônimos do Sertões. A tal ponto que é impossível contar a história da prova sem mencioná-los e às suas façanhas.
Por direito, esses pilotos e navegadores ganham espaço no Hall da Fama do Sertões. Uma distinção merecida, e uma justa homenagem a quem viu sua trajetória se unir à nossa de forma tão marcante.
Jean Azevedo
Jean Azevedo não é “apenas” o recordista de vitórias no maior rally das Américas, com sete conquistas. O piloto de São José dos Campos (SP) alcançou, na edição 2024, sua trigésima participação, alternando-se entre as duas e quatro rodas, sempre de forma competitiva. Uma história iniciada em 1995 já no alto do pódio (Moto), resultado que abriria portas para uma carreira internacional de sucesso.
Jean voltaria a triunfar em 2000, 2002, 2004, 2005, 2015 e 2017, sempre nas motos. Poderia ter vencido também nos carros, em 2009, não fosse por um detalhe nada desprezível, como ele próprio gosta de lembrar: “terminei em terceiro, atrás do Carlos Sainz e do Nasser Al-Attiyah, dois dos maiores pilotos da história, com equipamento mais desenvolvido que o meu”.
A chegada aos UTVs, em 2022, renovou a motivação e o espírito competitivo. Na nova modalidade, não demorou muito para que Jean conquistasse etapas e andasse nas primeiras posições. Nenhuma surpresa para o dono de tamanho talento e dedicação. Certamente ele e o Sertões ainda escreverão juntos várias páginas marcantes.

Guiga Spinelli
Vencer uma edição do Sertões já não é missão das mais simples. O que dizer então de chegar ao alto do pódio cinco vezes? Um feito que fez de Guilherme Spinelli, o Guiga, o recordista de conquistas entre os carros e, mais do que isso, a principal referência na modalidade. Vindo do rally de velocidade, em que foi campeão brasileiro, ele estreou em 1999 com a quinta posição. Segundo em 2000 e 2001, conquistou pela primeira vez o maior rally das Américas em 2003.
Guiga repetiu o feito no ano seguinte, dominando ainda as edições de 2010, 2011 e 2014. Com um ponto em comum entre elas: sempre no comando de um Mitsubishi. O piloto fluminense se transformou em embaixador da marca japonesa e, ao lado dela, foi além da “simples” pilotagem. Por meio de sua estrutura, a Spinelli Racing, desenvolve os modelos de competição da casa dos três diamantes que, assim como ele, acumulam vitórias no Sertões. A última criação foi a Triton Ultimate Racing T1+, protótipo projetado e construído integralmente no Brasil para a principal categoria do Rally Raid. Máquina que, sem surpresas, mostrou grande potencial em sua estreia, no Sertões BRB 2024, mesmo ainda em fase inicial de desenvolvimento.
O currículo impressionante registra ainda outros dois vices (um deles, em 2013, superado apenas por Stephane Peterhansel) e dois terceiros. O estilo incrivelmente eficiente e os resultados, não apenas no Sertões, mas também em desafios internacionais, valeram a Guiga o status de “Professor”. Enquanto os rivais buscam alcançar e superar seu recorde, ele mostra que é perfeitamente capaz de ampliá-lo.

Josi Koerich
A paixão pelos ralis de Josiane Koerich, a Josi, surgiu em família. Assim como a estreia no Sertões, em 2000, como navegadora do irmão Marlon, vindo do rally de velocidade. Três anos depois, com uma Chevrolet S10 da categoria Production (para modelos de série), eles conquistaram a terceira posição na geral dos carros, além da vitória na categoria.
O resultado levou a catarinense de Florianópolis a se tornar a primeira mulher navegadora a defender um time de fábrica (Off-Limits / GM). Com direito a nova vitória de categoria, desta vez na Super Production, em 2006, sempre com Marlon ao volante. E se o irmão optou por uma pausa nas competições, ela seguiu no Sertões. “Ele faz parte da minha vida e é minha segunda família”, destaca.
Outros dois títulos de categoria se seguiram, com resultados entre os 10 primeiros na geral e diversos pódios. “Apesar de não ser mais uma jovem, eu me realizo muito e estamos em uma ascendente. O legal desse esporte é que conseguimos uma longevidade boa. Só gratidão”, resume.

Beco Andreotti
Muito das razões para vencer o Sertões sobre quatro rodas está na eficiência da dupla. Para que o piloto tire o máximo do equipamento, é fundamental contar com a segurança transmitida pelo navegador – não é à toa que a relação é comparada a um casamento. Quem vai no banco da direita tem a missão de ler a planilha e repassar as orientações de forma precisa, além de operar vários comandos das máquinas (cada vez mais tecnológicas) e estar atento a seus sinais de alerta. Algo que Beco Andreotti se especializou em fazer ao longo de sua trajetória, iniciada no ano 2000.
Beco andou ao lado de Hamilton Diniz; Adroaldo Weisheimer (na edição 2024) e Marcos Baumgart mas foi como parceiro de Cristian Baumgart que chegou aos principais resultados no Sertões. Juntos, venceram entre os carros em 2016, 2017, 2018 e 2021. Conquistas que fizeram dele o navegador mais vitorioso da modalidade.
Nos últimos anos, além de mostrar toda a sua competência como navegador, Beco assumiu nova responsabilidade: é o CEO da X Rally, a equipe criada pelos irmãos Baumgart que se transformou em referência nacional e internacional no esporte, com estrutura e nível de detalhamento invejáveis.

Edu Piano
O paulistano Edu Piano é um dos melhores exemplos de versatilidade quando o assunto é o Sertões. Estreou na prova em 1996, primeiro ano em que os carros disputaram o rally. Em 2005, no comando de uma picape Chevrolet S10, conquistou o título na geral, superando adversários como Ulysses Bertholdo, Klever Kolberg e Guiga Spinelli.
Dois anos depois, veio a primeira mudança. Piano resolveu encarar o desafio entre os caminhões e, com um Ford F4000 de sua equipe, a Território, foi ao alto do pódio já em 2007. Resultado que se repetiu nos dois anos seguintes e em 2014, última temporada dos gigantes na competição. Além disso, venceu a categoria Caminhões Leves em 2011 e a Caminhões Pesados em 2013, transformando-se no principal nome da modalidade na história do Sertões.
Com o crescimento dos UTVs no rally raid, Piano embarcou na nova aventura em 2016, sempre na briga pelas primeiras posições. E não demorou a vencer novamente. Foi o melhor da categoria Over 45 na edição 2018 e venceu a Over Pro em 2021 e 2022, quando completou 27 participações consecutivas.

Moara Sacilotti
Ela fez história já em sua estreia, como a primeira mulher a encarar o Sertões sobre duas rodas. Pequena no tamanho, Moara Sacilotti se mostrou gigante na coragem e na disposição para encarar os desafios do maior rally das Américas na modalidade em que os pilotos também fazem as vezes de navegadores. As motos, aliás, fizeram parte de sua vida desde muito nova.
A paulista chegou à sua vigésima participação no Sertões 2020 e, dois anos depois, alcançou mais uma façanha inédita. Na edição de três décadas da prova, com mais de 7 mil quilômetros ligando o Paraná ao Pará, Moara conquistou o título da categoria Moto Over – até então nenhuma mulher havia alcançado o alto do pódio nas motos. Resultado que só aumentou a motivação e o desejo de seguir acelerando Brasil afora. Com uma experiência acumulada que, segundo ela, trouxe consigo uma maior capacidade de leitura do que vem pela frente e a inteligência para evitar riscos desnecessários, poupar o equipamento e avançar mesmo nos momentos mais complicados.
Uma trajetória que serve de inspiração e a transformou em uma das embaixadoras do projeto Mulheres Unidas Sertões Adentro (MUSA), ao lado de Helena Deyama.

Du Sachs
A história desse piracicabano no Sertões começou em 1997 quando, convidado por Dito Gianetti (destaque nas provas de velocidade na terra) aceitou o desafio de encarar o rally como navegador. Experiência repetida no ano seguinte, seguida pelas parcerias com Alexandre Scolfaro (sétima posição entre os carros em 1999) e Amábile Martinez.
Em 2001, Du Sachs passou a integrar o time Dunas, com uma missão que o transformou em verdadeira instituição do maior rally das Américas: desenhar as planilhas que orientam os competidores ao longo dos milhares de quilômetros de cada edição. Um trabalho meticuloso, que exige atenção a cada detalhe. Especialmente no rally raid, em que pilotos e navegadores não conhecem previamente o percurso. Cada referência; cada medida de distância devem estar perfeitamente indicadas. Da mesma forma, as sinalizações de perigo – inicialmente as famosas curecas, hoje substituídas pelos sinais de alerta padrão usados nas competições internacionais.
Apenas recentemente as milhares de marcações e desenhos manuais ganharam a ajuda da computação. O que em nada comprometeu o cuidado e a preocupação em descrever o que vem pela frente da forma mais precisa possível. Os elogios das principais estrelas do Sertões ao fim de cada ano confirmam a maestria de Du Sachs para mostrar os caminhos Brasil afora.
